quinta-feira, 30 de março de 2017

O eremita de São Sebastião – Ele foi descoberto pelo IBGE

Hoje deu vontade de relembrar algumas reportagens que fiz na época do Imprensa Livre. Infelizmente, o jornal fechou as portas e perdemos os arquivos. Mas como tenho , ainda, algumas matérias, as que gostei muito e fazer vou publicar de vez em quando. Segue a primeira. Não sei se ele ainda está no mesmo local, se voltou para a família, mas foi uma lição no idos de dezembro de 2010.

José Martins de Oliveira, ou simplesmente ‘Véio’, é uma figura carismática que vive no meio da mata e há anos não vai para a civilização


Texto e Fotos 
Mara Cirino

Em um lugar ermo, no meio da mata, onde é quase impossível chegar – só de veículo Off Road com tração e uma boa parte de percurso é feita a pé – reside mais um morador de São Sebastião. Por que isso é importante? Porque ele foi descoberto durante o recenseamento populacional feito este ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Seu José Martins de Oliveira tem 59 anos e há pelo menos três não tem contato com a civilização. Desconhece dia, data, não sabe quem é presidente do Brasil, prefeito da cidade. Não lembra nem mesmo qual é a moeda corrente no país.

Essa história mobilizou políticos e jornalistas na busca de saber quem é o homem que vive como um eremita em São Sebastião. Tudo isso começou, segundo o então supervisor do IBGE, Pedro Felipe Ramos, quando olhou no Google Maps para identificar as alterações existentes na sua área desde 2000.

“Percebi uma clareira no meio da mata e vimos que tínhamos que ir ao local e saber se havia algum morador para ser recenseado. E assim foi. Depois de identificar o caminho, os recenseadores fizeram um longo percurso até chegar ao local.

Ali descobriu o ‘Veio’, o Zé Baixinho, um capiau conversador e carismático que nasceu e quer morrer na roça. Ele disse que nasceu na cidade de Tremedal, em Pernambuco, mas em pesquisa pelo Google, o município  situa-se na Bahia. Disse também que tinha 64 anos, mas seu documento mostra que nasceu em 1951 e tem 59 anos.

“Ah, foi um conhecido que veio aqui e disse que eu tinha essa idade”, conta ele. Aliás, datas estão meio que frescas em sua cabeça. Da esposa Eni Batista Gonçalves, lembra que faleceu há 22 anos. “Era minha companheira, criou meus quatro filhos. Fazia minha comida, cuidava da casa quando estava aqui”, relembra e chora quando lembra que mais nenhum dos filhos está com ele e há três anos não vê mais ninguém.

Fala orgulhoso que, embora analfabeto, seus dois homens e duas mulheres iam para a escola e são todos formados – tem enfermeira, professores e veterinários. “Sempre fiz questão que estudassem. Colocava eles no lombo do cavalo e ia para a cidade (bairro). Um deles tentou levá-lo para Belém do Pará, mas o ‘Véio’ não quis abandonar sua roça. “Vou fazer o que lá. Aqui tenho tudo o que preciso”.

Rotina
No mundo de tecnologia, ele não tem televisor, rádio, celular então, nem pensar. Não distingue mais o mundo que vivemos.

Sua rotina é acordar de madrugada, fazer seu café adoçado com cana de açúcar e ir com o facão para o meio do mato na companhia da cadela Tandá. Sua fiel escudeira é a cachorra Campina que fica tomando conta da casa e dá o sinal quando ouve algum barulho estranho.

Se a fome aperta, o jeito é comer banana, cana ou nabo que tem plantado na terra. Feijão, só quando está no ponto de apanhar. Seu banho é no açude de água fria que tem o sítio. Quando alguém sobe no sítio, ainda troca cacho de banana com algum outro tipo de comida, como arroz, ou produtos que precisa.

Os animais que tinha na área, segundo ele, foram furtados. “Estava na roça e me levaram tudo, até a fiação da casa”, lamenta. Casa essa, que ele diz ter construído sozinho, uma casa grande, com três quatros, sala, cozinha com fogão de lenha. Mas ele não tem muita coisa. Só suas panelas e um lampião que fabricou para iluminar a escuridão. Quando acaba o querosene e não tem ninguém para levar, o jeito é ficar no escuro, ir dormir, rezar por um novo dia.

A geladeira antiga, que comprou em um ano que não lembra mais, funciona como armário, justamente pela falta de energia.

Pedido
Questionado sobre o que gostaria de ganhar se tivesse de pedir algo, ele é rápido na resposta. “Queria que tivesse luz aqui. Assim, poderia ter uma companheira. Que dona vai querer morar aqui se não tem luz? Como posso receber alguém aqui se não tenho ninguém nem pra fazer um cafezinho enquanto a gente proseia?”, questiona.

Esse pedido foi bem analisado pelo vereador Paulo Henrique de Santana, o PH, que acompanhou a visita. O parlamentar foi o representante da Câmara na reunião de avaliação do recenseamento em São Sebastião e foi aí que escutou a história de Zé Baixinho e seu afastamento da civilização.

Aliás, PH foi protagonista da história de Véio e seu javali, que ele chama de porco, e quer trocar por uma égua. Tentou porque tentou que o vereador comprasse o ‘porco’, mas como não mexe com dinheiro, disse que quer ter um equino de novo, mas tem de ser égua. Questionado sobre o motivo, disse que assim pode ter mais animais. Mas como se só teria ela? “Ora, enxertando (inseminação) ela”, responde rápido.

E assim, ele vai continuar com sua vida até, quem sabe, um dia conseguir realizar o sonho de ter a companhia de alguém, umas criações no terreno e sua égua para poder andar e retornar à civilização.

Aventura para chegar à casa de ‘Véio’

A visita à casa de Veio, ou Zé Baixinho, foi uma aventura do início ao fim. O acesso se dá pela Estrada da Limeira, no Alto do Jaraguá, na Costa Norte de São Sebastião. Fomos em dois veículos Off Road, mas nem eles foram suficientes para atravessar um certo ponto da estrada que, devido às chuvas está com muita lama.

O jeito foi descer, equipado com bota típica de quem vai para a mata, repelente no corpo e enfrentar os aclives e declives sem cair.

Na comitiva, guardas-parque do Instituto Florestal – Núcleo do Parque Estadual da Serra do Mar – São Sebastião, agentes da Defesa Civil, equipes de reportagem, o vereador PH e seu assessor Helton Romano e o ex-supervisor do IBGE.

Foram pelo menos 30 minutos de caminhada no meio da mata rodeada de plantas e frutas selvagens até a chegada à casa. Um detalhe que chamou a atenção lá é o rabisco de um calendário próximo ao fogão de lenha.

Perguntado se assim marcava os dias, o Véio disse que não, que foi um amigo que deixou lá registrado para saber o dia que esteve lá.

Depois de mais de três horas entre sair da cidade, ir para o mato e retornar para a civilização, o jeito foi voltar à realidade e retratar a história desse capiau que mostrou até onde vai a capacidade do ser humano de se adaptar com o que tem. 

A história das boleiras do Santo Antonio de Caraguatatuba

Dona Teresinha e Dona Rosalva e a devoção pelo padroeiro  Uma das tradições mais antigas da Festa do Padroeiro de Caraguatatuba é a vend...